sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Sonham os Andróides com Carneiros Eléctricos?

É um excelente livro. Surpreendeu-me em todos os aspectos pela positiva. O forte preconceito que tinha em relação a livros de ficção científica alterou-se e aguardo com expectativa se será igualmente positiva a minha próxima incursão por um livro do género. O filme Blade Runner baseia-se neste livro, mas pouco têm em comum além de alguns elementos base. Ler o livro é uma experiência que nada me afectou pela negativa por já conhecer, e ser fã, do filme.


Sonham os Andróides com Carneiros Eléctricos é um título certeiro que a editora Europa-América não soube dignificar ao assemelhar a capa do livro a um poster do filme. Um pequeno exemplo de como se preferiu corromper a obra de um autor por razões promocionais e de vendas. Cheguei a procurar por uma versão escrita em português que respeitasse o título original mas parece que não existe, é pena. Não consigo deixar de fazer aqui referência a isso.

Em Sonham os Andróides com Carneiros Eléctricos tudo tem uma duplicidade, ambivalência, contradição, que nos entrelaça numa dinâmica de valores e percepção do mundo sempre em transformação, re-análise constante, e o levantar de uma série de questões filosóficas sobretudo existencialistas. O que é um ser humano? Que valor tem? Estas e outras questões vão surgindo implicitamente com o acrescento de mais e mais camadas introduzidas ao ambiente pós-apocalíptico, noir, artificial, "desumanizado" e místico que vai sendo descrito. São questões abordadas de forma muito interessante explorando a semelhança que há entre os humanos e os andróides. Afinal, que diferenças há entre eles, quando há andróides que, por exemplo, participam numa ópera de Mozart possuindo uma das mais belas e comoventes vozes que o protagonista jamais ouviu, e por outro lado, a maioria dos humanos se ligam diariamente a uma máquina que artificialmente lhes programa o estado de espírito? Que valor tem esta vida andróide? Afinal são feitos de matéria viva também. Acrescente-se: a dúvida, sobre quase tudo, é a angústia predominante em toda a obra e o leitor também não sai incólume.

Muitos outros elementos existem na obra que mereciam aqui ser destacados, mas de tão rica que é a obra criada por Philip K. Dick, me são impossíveis de aqui poder abordar. O filme peca por não explorar alguns desses elementos centrais, como a religião predominante - o Mercerismo - e, sobretudo, a relação dos humanos com os seus animais de estimação.

Assim penso: ficar-me-á, este livro, marcado como um dos meus favoritos.

1 comentário:

Arcizettes disse...

Gosto de ficção científica.
Aliás, gosto das possibilidades que há na criação da ficção científica: é um processo interessante.
Parece-me que antes de mais há um sistema de destruição e construção. E antes dessa ordem, há o sistema analítico.
Primeiro, analisar a realidade, depois destruí-la parcialmente e, em seguida, fundar a construção de uma nova realidade sobre o que se destruiu.
Parece simples, contudo, o intricado está no que se deve destruir. Há a tendência em destruir a boa valia da realidade, e em exagerar o pior dela.
É uma forma de examinar a actualidade e levantar questões.